terça-feira, 15 de setembro de 2009

Questionamento e resposta sobre o PL de Iniciativa Popular sobre a Vida Pregressa dos Candidatos

Caros amigos do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE

Sou formado em direito, estou cursando a Faculdade de Filosofia e faço estágio em uma escola privada na cidade de Jaboticabal.

O professor de Filosofia da escola que eu faço estágio divulgou a honrosa campanha “Ficha Limpa” organizado por vocês.

Ocorre que me surgiram algumas duvidas:

Uma das mudanças que vocês propõe na “Lei das Inelegibilidades” é “Pessoas condenadas em primeira ou única instância ou com denúncia recebida por um tribunal – no caso de políticos com foro privilegiado – em virtude de crimes graves como: racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas. Essas pessoas devem ser preventivamente afastadas das eleições ate que resolvam seus problemas com a Justiça Criminal;”. Ocorre que essa mudança na legislação não seria considerada inconstitucional uma vez que a Constituição Federal tem vários dispositivos que podem ser usados para argüir a inconstitucionalidade dessa lei caso ela seja aprovada? Exempo:

No que tange a “condenação em primeira instância” para uma pessoa ser considerada inelegível a Constituição da o direito ao duplo grau de jurisdição (“Art. 5º, LV CF - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”). A favor de quem foi “condenado em primeira instância” ainda tem o Art. 15 CF – “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;”;

No que refere-se “denúncia recebida por um tribunal – no caso de políticos com foro privilegiado” esse dispositivo fere o direito ao contraditório e a ampla defesa (Art. 5º, LV CF);
Outra mudança seria “tornar mais rápidos os processos judiciais sobre abuso de poder nas eleições, fazendo com que as decisões sejam executadas imediatamente, mesmo que ainda caibam recursos.” Nesse caso a inconstitucionalidade pode ser argüida com base nos art. 5, LV CF (direito ao duplo grau de jurisdição).

Tenho ciência da existência do Art. 14 CF- “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 9º - Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”, mas essa lei complementar, que prevê esse artigo, pode ir contra os direitos assegurados pela constituição?

Não sou contra a esse projeto de lei por iniciativa popular, mas acredito que o exposto acima pode ser usado por políticos que venham a ficar inelegíveis e provocar o Supremo Tribunal Federal a manifestar-se sobre a constitucionalidade dessa lei.

Não sei se é possível, mas uma saída poderia ser um projeto de Emenda Constitucional e não a alteração na Lei de Inelegibilidades.


No aguardo de um esclarecimento.

Gustavo Pozzi

***

Resposta de Márlon Reis:


Caro Gustavo Pozzi,


Fiquei feliz com a oportunidade de dialogar com você acerca das inteligentes indagações que apresenta. Tentarei tratar de cada uma. Antes, porém, gostaria de falar sobre as bases da reflexão jurídica que levou à elaboração do projeto.

O Direito Eleitoral sempre foi relegado a um plano inferior na nossa cultura jurídica. Princípios advindos de outros ramos do saber jurídico sempre o influenciaram marcantemente. Adotou-se durante muito tempo em termos procedimentais, por exemplo, regras típicas do Direito Processual Civil, sendo o sinal mais gritante disso a utilização do rito ordinário comum para a tramitação de certos feitos eleitorais.

Ocorre que o Direito Eleitoral é antes de tudo o Direito da Democracia. É talvez a mais basilar das matérias do Direito Público, de cuja correta interpretação depende a própria saúde das instituições políticas. Ele se orienta por princípios constitucionais próprios, que o notabilizam como ramo autônomo das ciências jurídicas.

O projeto foi elaborado por juristas que tiveram isso sempre em conta. Esperamos estar colaborando para uma revisão hermenêutica que coloque o Direito Eleitoral no plano que merece, livrando-o a adoção mecanicista de principiologias criadas para informar outros campos do Direito.

Então vamos às respostas:

1. No que tange a “condenação em primeira instância” para uma pessoa ser considerada inelegível a Constituição dá o direito ao duplo grau de jurisdição (“Art. 5º, LV CF - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”). A favor de quem foi “condenado em primeira instância” ainda tem o Art. 15 CF – “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeito”;

O projeto não nega aplicabilidade aos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Isso ocorreria se estivéssemos propondo que após uma condenação criminal o sentenciado ficasse privado do acesso à revisão do julgado, mas não é o que se dá. O direito à amplitude de defesa e ao contraditório seguirão sendo exercidos no âmbito do processo criminal onde se proferiu a sentença condenatória, o que não impede que isso surta efeitos na esfera eleitoral. Veja que fora do Direito Penal é muito comum que as sentenças judiciais, mesmo sem trânsito em julgado, já surtam diversos efeitos. No âmbito civil, a propósito, é a possível a execução provisória dos julgados em diversas matérias elencadas no art. 520 do CPC. No mandado de segurança a sentença é deve ser desde logo cumprida (Art. 13 da Nova Lei do Mandado de Segurança Individual e Coletivo). Poderia citar muitos outros exemplos em que o direito autoriza a adoção de providências judiciais antes do trânsito em julgado. Isso em nada afeta a ampla defesa e o contraditório, que continuam podendo ser exercitados até o final do processo, buscando a parte a eventual reversão do ato decisório.

A concessão de eficácia executiva imediata ao julgado é uma escolha do legislador, que nada se opõe à continuidade do feito com a observância do direito de defesa em sua máxima amplitude.

Quanto ao art. 15, III, da CF, o que afasta a sua incidência no caso concreto é o simples fato de que o projeto não propõe a cassação de direitos políticos, nem sua perda ou suspensão. A imposição de uma inelegibilidade não se confunde com a perda ou a suspensão de direitos políticos. Se assim fosse não seria possível definirem-se outras hipóteses de afastamento da elegibilidade que não as relacionadas exaustivamente no referido art. 15 da CF. As inelegibilidades estão previstas em outro dispositivo da CF, o art. 14. Ali há algumas inelegibilidades definidas...

Leia a resposta de Márlon Reis na íntegra em http://docs.google.com/View?id=dgx3c728_1126xxjtfcp .

***

Retorno de Gustavo Pozzi:


Caros amigos do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE

Em primeiro lugar gostaria de agradecer a rápida resposta aos meus questionamentos. Desde já quero deixar claro que sou favorável a regulamentação desse projeto, acredito ainda que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE, após vencida essa etapa de aprovação do projeto, poderia iniciar uma campanha para que seja discutida uma proposta de lei para a reforma política no Brasil.

Quanto à publicação dos meus questionamentos serem divulgados no blog, estão autorizados a fazer a publicação.

Um abraço

Gustavo Pozzi