domingo, 31 de janeiro de 2010

Magistrado do Brasil diz que corrupção eleitoral é crime contra a Humanidade

Fonte: Pravda

O desembargador do Poder Judiciário Brasileiro, Pedro Valls Feu Rosa, vai comandar pela primeira vez as eleições no Estado do Espírito Santo. De conduta independente, criteriosa e imparcial, o novo presidente do Tribunal Regional Eleitoral é considerado um magistrado intolerante a todo tipo de pressão, arranjos ou influências, e que busca, diariamente, aprimorar seu singular saber jurídico para personificar o justo juiz na aplicação da Lei, do Direito e Justa Justiça dos Homens.

Perdro Valls Feu Rosa consegue conciliar, diariamente, três atividades: a de desembargador do Tribunal de Justiça, a de presidente do Tribunal Eleitoral e a leitura de 93 jornais de 51 países. Ainda na solenidade de posse, mês passado, como presidente do Tribunal Eleitoral, já foi anunciando uma caçada aos políticos corruptos, compradores de votos. Os meios jurídicos apostam que, com Feu Rosa na presidência no Tribunal Eleitoral, o Governo do Estado perde, inteiramente, a influência velada que exercia sobre o tribunal.
Nesta entrevista exclusiva ao correspondente do Pravda no Brasil, jornalista Antonio Carlos Lacerda, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa fala sobre corrupção eleitoral no Brasil e no mundo como um crime contra a humanidade; afirma ser um escândalo o fato de 13% do eleitorado brasileiro ter confessado que nas últimas eleições vendeu o voto; enfatiza a morte de 900 crianças por hora no mundo devido a falta de saneamento básico; diz que quem compra voto integra um sistema assassino, até genocida; se surpreende ao dizer que quando era adolescente, os políticos, após as eleições, procuravam os bancos para renegociarem a dívida de campanha, hoje, segundo o desembargador, não há dívida, o que há é “sobra de campanha”. O desembargador Pedro Valls Feu Rosa diz que não consegue entender por qual motivo uma pessoa que esteja respondendo a processos por crimes graves não possa ser, por exemplo, candidato a estagiário em um tribunal, mas pode ser candidato aos mais altos cargos de um país. “Eu considero isso uma clara afronta aos princípios da moralidade pública e da supremacia do interesse público”.
Leia, a seguir, a íntegra da entrevista do desembargador do Poder Judiciário Brasileiro, Pedro Valls Feu Rosa:
Jornal Pravda - Rússia - Brasil:- É voz corrente que o tema corrupção eleitoral tem dois notórios personagens. O político que corrompe e o eleitor que se deixa corromper. Então, na opinião do Senhor, qual o grau e a classificação desse crime eleitoral, mais precisamente a compra do voto, pelo político, e a venda, pelo eleitor?
Desembargador Pedro Valls Feu Rosa: Eu considero a corrupção eleitoral um dos mais graves crimes praticados contra a humanidade. Isto porque, o dinheiro utilizado para comprar votos hoje, amanhã será recuperado através da corrupção e do favorecimento a interesses privados de grandes empresas, sempre em detrimento da população. É em grande parte graças a este mecanismo perverso de escolha dos governantes que 10% dos habitantes do planeta já deram propina a alguma autoridade, enquanto a cada cinco segundos morre uma criança de fome - eis aí uma relação de causa e efeito claríssima! O pior é que a população muitas vezes não percebe a extensão e gravidade deste problema. Assim, por exemplo, nas últimas eleições 13% dos eleitores brasileiros confessaram ter vendido o voto - alguma coisa em torno de 18 milhões de pessoas. Isto é um escândalo. A partir daí fica fácil compreender porque estima-se que 30% de tudo o que o Brasil produz é tragado pela corrupção. E este quadro é mundial. Li que na Rússia, por exemplo, os prejuízos decorrentes deste problema chegam a US$ 316 bilhões a cada ano. Na África, diversos estudos concluíram ser este o maior dos entraves ao desenvolvimento. Enquanto isso, pelo mundo afora, 900 crianças morrem por hora vítimas da falta de um simples saneamento básico. Assim, não é exagero dizer que quem compra votos integra um sistema assassino, e até genocida.

Pravda: Eliminar ou mesmo reduzir a corrupção eleitoral é um grande desafio. Qual a expectativa de Vossa Excelência como presidente de uma Corte Eleitoral?
Pedro Valls Feu Rosa: Conforme falei, o problema da corrupção eleitoral é mundial. Na Alemanha, há poucos anos, uma empresa de Kiel chamada Cashvote chegou a montar na Internet um serviço de intermediação de compra e venda de votos. Na Tailândia, políticos compram eleitores distribuindo comprimidos de Viagra. Na Rússia, houve denúncias de que eleitores venderam o voto em troca de garrafas de vodca e mochilas. Os efeitos culturais disso são muito ruins. Basta dizer que na cidade de Dingmei, na China, eleitores protestaram contra uma campanha limpa, na qual nada lhes foi oferecido. Uma eleitora chegou a declarar para um jornal local que durante as campanhas políticas sempre ganhava muitos presentes e até dinheiro dos candidatos, e que naquelas eleições não havia recebido nada, o que considerou péssimo. Tentando mudar esta cultura, o Butão chegou a proibir campanhas políticas para alguns cargos. Assim, eu não vejo como uma pessoa, ou mesmo uma instituição, por mais poderosa que seja ela, possa sequer arranhar este problema. A solução, se é que ela é possível, virá ao longo das gerações e de um lento, mas, persistente processo de conscientização. Se eu puder, em um pequeno momento desta longa caminhada, deixar uma pequena e quase insignificante contribuição, ficarei satisfeito. Afinal, como dizia Madre Teresa de Calcutá, para que a miséria acabe no mundo apenas duas coisas precisam melhorar: eu e você. Ou seja: façamos a nossa parte, não importa o quão pequena e insignificante seja ela.







Pravda: Uma crítica que se faz ao sistema legal é que muitas vezes ele trata os ricos com tolerância e os pobres com rigor. Qual a visão de Vossa Excelência sobre este aspecto? Isto vale para a justiça eleitoral?
Pedro Valls Feu Rosa: Giuseppe Bettiol, um grande penalista e político italiano, costumava dizer que “direito é a expressão da vontade dos mais fortes”. Esta idéia pode ser complementada pela famosa frase do alemão Otto von Bismarck: “ah, se as pessoas soubessem como são feitas as leis e as salsichas”. Esta é uma realidade. Nossas leis muitas vezes forçam o sistema judicial a desempenhar um triste papel, o de ser leão diante dos carneiros e carneiro diante dos leões. Eis aí outro problema de amplitude mundial. Isto vale tanto para crimes comuns como para o processo eleitoral. Eu defendo que já passou da hora do Judiciário reagir a isso, interpretando as leis no limite possível do rigor. Temos muitas leis que mascaram, sob o rótulo inocente de “ampla defesa” ou “garantias constitucionais”, favores descarados a algumas pessoas ou grupos. Eu entendo que sobrepõem-se a esses expedientes princípios quase que universais, como o da “moralidade pública” e até mesmo o do “interesse público”. Não é o caso, evidentemente, de o Poder Judiciário se sobrepor ao Poder Legislativo - mas também não pode ficar ele restringido no desempenho de suas funções por conta de leis claramente inconstitucionais, elaboradas para atender interesses outros que não aqueles da população.







Pravda:- Já está arraigado nas camadas sociais periféricas, de baixa ou nenhuma renda, principalmente, a cultura de negociar do voto. Quais os mecanismos que o Senhor dispõe e vai utilizar para conscientizar o eleitor em não negociar o voto?
Pedro Valls Feu Rosa: Eu sou filho, neto e sobrinho de ex-políticos. Durante praticamente três décadas de minha vida acompanhei, e muito de perto, a realidade da vida política. Por conta disso me escandalizo com o quadro atual. Durante minha infância, sempre que acabava uma eleição eu via os candidatos indo aos bancos renegociar dívidas de campanha. Hoje já não há mais dívidas de campanha – há “sobras de campanha”. Isto está errado. Eis aí um indicativo forte de que nossas instituições estão falhando. E não se coloque a culpa no mais fraco – o eleitor pobre e pouco esclarecido. No mais das vezes são pessoas abandonadas pelo Estado, sem perspectivas de vida, que acabam se vendendo em troca de qualquer coisa que alivie um pouco a dor de uma miséria brutal. Não será por este caminho que resolveremos o problema da corrupção eleitoral. O erro está no comprador de votos e em quem o financia. É nesta ponta que temos que agir. Qualquer tentatiza de conscientização dos eleitores fracassará se não houver uma repressão dura e firme aos candidatos que compram votos e aos que os financiam. Em meu estado estamos planejando uma campanha de conscientização, mas ao mesmo tempo estamos criando mecanismos para aumentar ao máximo a eficiência do aparelho de fiscalização e combate à corrupção eleitoral.
Pravda:- Os cerca de 56 milhões de brasileiros que acessam diariamente a Internet terão nas eleições deste ano mais um ingrediente em suas telas de computadores: a campanha, sem restrições, de candidatos. Essas vão ser as primeiras eleições no Brasil com o uso da internet pelos candidatos, que terão o número crescente de internautas um bom fôlego nas suas campanhas. Qual a visão e opinião de Vossa Excelência sobre essa novidade e quais mecanismos tem em mãos para coibir os crimes eleitorais que certamente vão ocorrer, ou já estão ocorrendo, no universo virtual?







Pedro Valls Feu Rosa: Quando o mundo das leis ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o mundo das leis. Costumo sempre repetir esta frase, que se encaixa como luva ao momento atual. Nossas leis têm ignorado que o mundo mudou. Os conceitos clássicos de jurisdição, processo, prova e tantos outros já são incompatíveis com o mundo moderno. Darei um pequeno exemplo: no Brasil, o número de assaltos a banco pela Internet já é maior do que aqueles tradicionais, praticados com violência física. E o que pode fazer nosso sistema legal a respeito? Quase nada. Na maioria das vezes nossos conceitos clássicos de jurisdição impedem uma eficaz investigação do caso e a responsabilização do culpado – isto sem falar na necessidade de obtenção de prova física em um mundo virtual. No Brasil, o número de internautas cresce constantemente e deve ser maior ainda neste ano de 2010. Em 2009, por exemplo, houve um aumento de 75% em relação a 2005. Esta decisiva fatia do eleitorado brasileiro estará sob a alça de mira dos candidatos e suas práticas eleitorais, nem sempre éticas e leais. Confesso que causa-me preocupação lidar com esta realidade utilizando um sistema legal que não consegue disciplinar a contento nem o mundo real, que dirá o virtual.
Pravda:- Quando das campanhas eleitorais, temos assistido pronunciamento de candidatos a cargos eletivos que não possuem, sequer, as mínimas qualificações morais, éticas e técnicas para receberem a investidura de uma função pública, quer seja ela no Poder Executivo ou Legislativo. Verdadeiros cânceres sociais, bandidos que criminosamente se utilizam do sonho e da esperança popular por um novo tempo, uma nova era de prosperidade e paz social, invadem os lares e cinicamente falam às famílias, sofismando com temas sagrados, a exemplo do trabalho, educação, segurança pública, moralidade, ética, lisura, transparência, honestidade, competência, justiça e paz social, além de outros de irresistível poder de sedução e conquista. Esses são os famosos “Fichas Sujas” que, através de dispositivos legais, conseguem o registro de suas candidaturas a cargos eletivos, muito embora, se fosse por força da verdade dos fatos, não a dos autos processuais aos quais responde, o local onde deveriam estar é atrás das grades de uma prisão, jamais na TV falando ao povo. Qual a opinião de Vossa Excelência a esse respeito, quais dispositivos podem impedir o registro dessas candidaturas e o que será feito no âmbito da Justiça Eleitoral para que o povo saiba a verdade sobre esses candidatos?
Pedro Valls Feu Rosa: Considero este um dos aspectos mais tristes da nossa democracia. Eu não consigo entender por qual motivo uma pessoa que esteja respondendo a processos por crimes graves não possa ser, por exemplo, sequer candidato a estagiário em um tribunal, mas pode ser candidato aos mais altos cargos de um país. Eu considero isso uma clara afronta aos princípios da moralidade pública e da supremacia do interesse público. Não se deve ignorar, claro, existir a possibilidade de processos movidos por vingança ou interesses políticos. Há que se ter sensatez. Mas o que temos visto é vergonhoso para as instituições. Já cheguei a ver o caso de um candidato, eleito, que responde a 34 processos. Pelas nossas leis, ele não pode prestar concurso público nem para o mais humilde dos cargos, mas pode ser candidato e administrar vultosas verbas públicas. Isto tem que mudar. Neste sentido aplaudo, principalmente como cidadão, a luta do Ministro Carlos Ayres Britto, do Tribunal Superior Eleitoral, buscando a criação de mecanismos que expulsem da vida pública este tipo de gente. E vejo, com alegria, que o Brasil não está sozinho nesta cruzada. Há poucos meses acompanhei um grande debate sobre este tema acontecido na África do Sul, e me chamou a atenção uma frase que li em um jornal de lá: “Apenas cidadãos exemplares deveriam ser eleitos líderes”. Na Índia, há poucas semanas, anunciou-se um início de consenso para a elaboração de uma lei que retire da vida pública aquelas pessoas envolvidas com a justiça criminal. Isto é animador. Pessoalmente, defendo que após condenada por um juiz uma pessoa não possa ser candidata a cargos eletivos, ainda que tenha recorrido da sentença. Isto tudo, porém, não me impede de finalizar com uma reflexão: é muito triste a humanidade precisar de leis para tirar este tipo de gente da vida pública...
ANTONIO CARLOS LACERDA

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