terça-feira, 18 de agosto de 2009

Por que político pode ter ficha suja?

Autor: Ricardo Mendonça
Revista Época - 17/08/2009 (pg. 54)

Em campanha por 1,3 milhão de assinaturas, o juiz quer vetar candidatos com condenação criminal

Há dez anos, um grupo de entidades juntou 1 milhão de assinaturas (1% do eleitorado) a favor de uma lei mais severa sobre compra de votos. Foi a primeira lei de iniciativa popular levada ao Congresso. Aprovada em menos de 40 dias, virou o principal instrumento de combate à corrupção eleitoral. Desde 1999, já serviu para cassar mais de 700 mandatos. Agora, as mesmas entidades querem repetir a dose. Criaram a Campanha Ficha Limpa e já coletaram 1 milhão de assinaturas a favor de uma lei sobre a vida pregressa dos candidatos. A ideia é vetar a candidatura de quem tem condenação na Justiça, mesmo quando ainda cabe recurso. Desta vez, precisam de 1,3 milhão de assinaturas, já que o eleitorado cresceu. O juiz Márlon Reis é um dos coordenadores do movimento. Ele explica os objetivos do projeto.

ENTREVISTA – MÁRLON REIS

QUEM É
Juiz de Direito especializado em questões eleitorais e presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais

O QUE FAZ
É um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Atualmente, faz curso de doutorado na Universidade de Zaragoza, na Espanha, sobre compra de votos em eleições

ÉPOCA – O que diz o projeto de lei sobre a vida pregressa dos candidatos?
Márlon Reis – Ele estabelece que deve ficar afastado do processo eleitoral o candidato que sofreu condenação em ação penal pública por crimes considerados graves, como homicídio, estupro, narcotráfico, entre outros. Também vale para crimes relacionados à administração pública, como desvio de verbas. Hoje, a pessoa pode ser candidata enquanto não for julgada pelo último tribunal. Pelo projeto, basta sentença de primeira instância para impedir a candidatura.

ÉPOCA – E quais são os crimes pouco graves que permitiriam a candidatura?
Reis – Crimes de menor potencial ofensivo, como desacato, injúria, resistência à ordem de autoridade. Além disso, estão de fora as ações penais privadas, aquelas em que um particular pode mover contra outro. É para evitar que alguém faça isso com a finalidade de tumultuar a candidatura do adversário.

ÉPOCA – Muitas sentenças de primeira instância são reformadas em tribunais superiores. Não é injusto vetar a candidatura de quem ainda pode ser absolvido?
Reis – Eu entendo que a sentença penal de primeira instância deve ter algum significado, não pode ser considerada irrelevante. A sentença deve, no mínimo, acender um sinal amarelo. Pretendemos apenas que ela sirva para limitar uma candidatura. Existe, sim, a possibilidade de ser reformada. Mas há também a possibilidade de uma absolvição ser reformada. E mesmo decisões do último tribunal podem ser incorretas. A mensagem do projeto é a seguinte: se você recebeu uma sentença condenatória, então resolva primeiro sua pendência criminal e depois volte para a vida pública.


”Há muitos parlamentares processados, mas o Supremo
Tribunal Federal nunca condenou ninguém”

ÉPOCA – Mas a restrição à candidatura, por si só, já não é uma pena?
Reis – Não. Isso não é uma punição, é apenas uma restrição. Será uma medida preventiva. A lei vai limitar alguns aspectos da vida política do indivíduo, mas em defesa da sociedade. A Constituição permite ao Congresso editar leis que estabeleçam casos de inelegibilidade. Como o Congresso não fez isso até hoje, estamos mobilizando a sociedade para que cobre do Congresso essa providência.

ÉPOCA – O projeto não fere o princípio da presunção da inocência?
Reis – Ninguém pode ser juiz se tiver ocorrências em sua vida pregressa. Ninguém pode ser vigia se tiver problemas no passado, pois a Polícia Federal organiza um cadastro dos vigias e elimina quem tem condenação em qualquer instância. A regra, aliás, serve para todo o setor público. Por que com os políticos deveria ser diferente? Por que político pode ter ficha suja? O princípio da presunção da inocência serve para que o acusado não receba uma pena em caráter definitivo antes de ser julgado. Ele se aplica no Direito Penal, mas não no âmbito administrativo. Se fosse aplicar ao extremo o princípio da presunção da inocência, poderíamos ter uma pessoa condenada em duas instâncias por narcotráfico passando num concurso da Polícia Federal. Mas isso não acontece, é lógico. A PF elimina antes.

ÉPOCA – Quem será atingido?
Reis – Acho que, principalmente, os prefeitos de pequenas cidades que desviaram verbas. Isso porque, nos pequenos municípios, os prefeitos deixam de ser meros gestores e atuam como ordenadores de despesas. Então eles são identificados nos processos judiciais.

ÉPOCA – E os deputados federais, senadores, governadores?
Reis – Esses têm foro privilegiado e, portanto, nunca vão receber uma condenação de primeira instância. Para eles, a regra deve ser um pouco diferente. Eles devem ser afastados quando há o recebimento da denúncia. Por que a diferença? Porque, em tribunais superiores, o recebimento da denúncia é um ato bem mais fundamentado. Além disso, é decidido por um tribunal, não por apenas um magistrado. O recebimento da denúncia pela corte só é feito mediante a existência de provas de um ilícito e de elementos que liguem esses indícios ao acusado. É o suficiente para acender o sinal amarelo. Vale lembrar que há muitos parlamentares processados, mas o Supremo Tribunal Federal jamais condenou ninguém.

ÉPOCA – Durante o período de campanha, a Justiça consegue ser rápida. Pedidos de direito de resposta em propaganda eleitoral, por exemplo, são decididos em poucas horas. Por que não há a mesma agilidade após a eleição?
Reis – Deveria haver, mas há uma explicação legal para isso. A legislação estabelece uma prioridade para ações eleitorais durante o período eleitoral. Após a votação, no entanto, acaba a prioridade. Então, os processos que não foram resolvidos até a data da votação perdem a prioridade sobre os demais. Eu entendo que isso deveria ser mudado. A prioridade do processo eleitoral deveria valer até a conclusão da ação, independentemente da data da eleição.

ÉPOCA – A campanha optou por coletar assinaturas. Não seria mais fácil pedir para um deputado fazer o projeto?
Reis – Não seria difícil arrumar o apoio de parlamentares para apresentar o projeto. O que não se consegue é fazer com que o Parlamento vote a matéria. Há projetos sobre o tema que estão parados há dois anos. Com apoio popular, a esperança é que o Congresso se sensibilize para votar logo. Queremos que a lei da vida pregressa esteja em vigor já na próxima eleição.

ÉPOCA – A exigência de 1% de assinaturas do eleitorado para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular é alta, baixa ou adequada?
Reis – Parece adequada. O problema é que o Congresso só aceita assinaturas no papel, o que torna impossível a conferência. Quem vai checar? Hoje, com os recursos tecnológicos disponíveis, já poderiam aceitar como válidas as adesões feitas pela internet. Para evitar fraudes, basta fazer convênios com provedores confiáveis e aplicar alguns mecanismos tecnológicos para impedir identificações falsas ou repetidas.

3 comentários:

Unknown disse...

Li a entrevista na revista ÉPOCA e gostei muito da iniciativa. Gostaria de estar participando deste grande ato para um Brasil mais honesto.

Márlon Reis disse...

Roberta,
Todas as dicas sobre como participar você encontra em www.mcce.org.br.

lp7 disse...

porque cabe a politicos,juizes tantos recursos para não responder as acusões,e Sr. acha exista uma CAIXA 2 do judiciario e porque os juizes teme uma reforma no judiciario.